A Aula de Política que a Escola Nunca te Deu
Você sabe como funciona o sistema político brasileiro? De verdade? Não é aquela resposta decorada de “Executivo, Legislativo e Judiciário” que você deu na prova de história e esqueceu no dia seguinte.
Estou falando de entender de verdade: quem pode fazer o quê? Como cada poder controla o outro? Por que temos três poderes e não dois ou quatro? E, principalmente, o que acontece quando políticos corruptos quebram essas regras?
Porque aqui está a verdade incômoda: o sistema político brasileiro é genial no papel, mas está sendo sistematicamente sabotado por políticos que deveriam defendê-lo. E se você não entende como o sistema funciona, não consegue identificar quando ele está sendo destruído.
Então vamos fazer diferente. Vamos te dar a aula de política brasileira que deveria ser obrigatória nas escolas, mas que propositalmente não é – porque políticos corruptos preferem um eleitorado ignorante.
De Onde Vem a Ideia dos Três Poderes?
Os Filósofos que Inventaram a Democracia Moderna
A separação de poderes não foi inventada no Brasil. Ela vem de dois pensadores europeus que mudaram a história política do Ocidente.

John Locke: O Cara que Começou Tudo (Século XVII)
O filósofo inglês John Locke (1632-1704), no Segundo Tratado sobre o Governo, teve uma sacada revolucionária: quem faz as leis não pode ser o mesmo que as executa.
Por quê? Porque se a mesma pessoa (ou grupo) cria as regras E as aplica, ela vai inevitavelmente criar regras que beneficiem a si mesma. É como deixar o ladrão ser o próprio juiz – não vai dar certo.
Locke propôs dividir o poder em:
- Poder Legislativo: cria as leis
- Poder Executivo: aplica as leis
Parece óbvio hoje, mas na época era revolucionário. Até então, reis e monarcas concentravam todo o poder.
Montesquieu: O Cara que Aperfeiçoou (Século XVIII)
O francês Montesquieu, em O Espírito das Leis (1748), levou a ideia de Locke adiante. Ele percebeu que faltava algo crucial: quem julga se as leis estão sendo cumpridas corretamente?
Montesquieu adicionou o terceiro poder:
- Poder Judiciário: interpreta e julga aplicação das leis
Mas a genialidade de Montesquieu foi além. Ele criou o conceito de Freios e Contrapesos (Checks and Balances): cada poder precisa ter mecanismos para controlar os outros poderes, impedindo que qualquer um se torne absoluto.
É como um jogo de pedra, papel e tesoura institucional: nenhum poder pode dominar completamente, porque os outros dois podem freá-lo.
Por Que Isso Importa?
Simples: a liberdade depende da limitação do poder. Se todo o poder estiver concentrado numa pessoa ou instituição, você tem ditadura. A separação de poderes é a única maneira de evitar tirania.
A Aberração Brasileira: O Quarto Poder Imperial (1824-1889)
Aqui começa a história brasileira da separação de poderes – e ela começa mal.
A Constituição de 1824: Quando o Brasil Inventou um Poder a Mais

A primeira Constituição do Brasil, outorgada por Dom Pedro I em 1824, criou algo que não existia em nenhum outro lugar: o Poder Moderador.
Oficialmente, o Poder Moderador seria o “princípio conservador” que garantiria harmonia entre os outros três poderes. Na prática? Era uma desculpa para o Imperador controlar tudo.
Os Poderes Absurdos do Imperador
Veja o que Dom Pedro I podia fazer:
Sobre o Legislativo:
- Convocar ou dissolver a Câmara dos Deputados quando quisesse
- Nomear Senadores vitalícios
- Vetar qualquer lei (sanção imperial obrigatória)
Sobre o Executivo:
- Nomear e demitir ministros livremente
- Controlar todo o governo
Sobre o Judiciário:
- Suspender magistrados
- Perdoar criminosos
- Conceder anistia
A Cereja do Bolo: Imunidade Total
E a melhor parte? O Imperador era “inviolável e sagrado”, não prestando conta a absolutamente ninguém. Ele estava acima da lei.
Isso não era separação de poderes – era concentração de poderes com maquiagem institucional. O Brasil tinha quatro poderes no papel, mas na prática tinha um: o Imperador.
1988: Quando o Brasil Finalmente Tentou Fazer Certo
A Constituição Cidadã
Após 21 anos de ditadura militar (1964-1985), o Brasil finalmente promulgou em 1988 uma Constituição democrática que estabeleceu corretamente a separação tripartite de poderes.
O artigo 2º da Constituição Federal diz: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Duas palavras cruciais: independentes e harmônicos.
- Independentes: nenhum poder se subordina ao outro
- Harmônicos: eles devem colaborar, não competir
Como Funciona o Sistema Político Brasileiro: Os Três Poderes
Agora vamos ao que interessa: como funciona o sistema político brasileiro de verdade.
Poder Executivo: Quem Governa o País

O Que É e Quem Faz Parte
O Poder Executivo é responsável por administrar o país e executar as leis. No Brasil, ele se organiza em três níveis:
- Federal: Presidente da República + Ministros
- Estadual: Governadores + Secretários Estaduais
- Municipal: Prefeitos + Secretários Municipais
O Presidente: Duas Funções em Uma
No Brasil, o Presidente acumula dois papéis:
- Chefe de Estado: Representa o país internacionalmente, simboliza a nação
- Chefe de Governo: Administra o país, nomeia ministros, executa políticas públicas
Essa dupla função concentra muito poder no Executivo – mas também significa que quando o presidente falha, todo o Estado parece falhar.
O Que o Executivo Pode Fazer
- Administrar o país no dia a dia
- Executar o orçamento (gastar o dinheiro público aprovado pelo Congresso)
- Propor leis (Medidas Provisórias em caso de urgência)
- Vetar leis aprovadas pelo Congresso (total ou parcialmente)
- Nomear ministros e diretores de agências reguladoras (com aprovação do Senado)
- Conduzir relações exteriores
O Que o Executivo NÃO Pode Fazer
- Criar leis sozinho (exceto MPs em casos urgentes, que precisam ser aprovadas pelo Congresso)
- Julgar crimes ou decidir questões jurídicas
- Ignorar decisões judiciais
- Dissolver o Congresso
- Gastar dinheiro que não foi aprovado no orçamento
Mandato e Reeleição
- Duração: 4 anos
- Reeleição: Permitida apenas uma vez consecutiva
Poder Legislativo: Quem Faz as Leis

O Que É e Quem Faz Parte
O Poder Legislativo é responsável por criar leis e fiscalizar o Executivo. Também se organiza em três níveis:
- Federal: Congresso Nacional (Câmara dos Deputados + Senado Federal)
- Estadual: Assembleias Legislativas (Deputados Estaduais)
- Municipal: Câmaras Municipais (Vereadores)
O Bicameralismo Federal: Por Que Dois?
O Congresso Nacional tem duas casas por um motivo importante:
Câmara dos Deputados (513 deputados):
- Representa o povo
- Número de deputados proporcional à população de cada estado
- São Paulo tem 70 deputados, Roraima tem 8
Senado Federal (81 senadores):
- Representa os estados (entes federativos)
- Cada estado tem exatamente 3 senadores
- Garante que estados pequenos tenham voz igual aos grandes
Essa divisão impede que estados populosos dominem completamente a política nacional.
O Que o Legislativo Pode Fazer
- Criar, alterar e aprovar leis
- Fiscalizar o Executivo (CPIs, convocação de ministros)
- Aprovar o orçamento da União
- Derrubar vetos presidenciais (maioria absoluta)
- Julgar o Presidente por crimes de responsabilidade (impeachment)
- Aprovar nomeações de ministros do STF e outras autoridades (Senado)
- Autorizar guerra, intervenções federais, estados de sítio
O Que o Legislativo NÃO Pode Fazer
- Executar leis ou administrar o país
- Julgar crimes comuns (isso é do Judiciário)
- Ignorar decisões judiciais definitivas
- Legislar contra a Constituição
O Poder Especial do Senado: Sabatinas
Uma das ferramentas mais poderosas de controle do Legislativo sobre os outros poderes é a sabatina do Senado.
O Senado precisa aprovar:
- Ministros do STF (indicados pelo Presidente)
- Diretores de agências reguladoras
- Embaixadores
- Outras autoridades federais
Isso garante que o Executivo não possa simplesmente nomear quem quiser para cargos cruciais.
Poder Judiciário: Quem Julga e Interpreta as Leis

O Que É e Quem Faz Parte
O Poder Judiciário é responsável por aplicar as leis aos casos concretos e garantir que a Constituição seja respeitada.
A estrutura é complexa, mas o topo é:
- Supremo Tribunal Federal (STF): 11 ministros, guardião da Constituição
- Superior Tribunal de Justiça (STJ): Julga questões de lei federal
- Tribunais Regionais e Juízes de primeira instância
O STF: O Guardião da Constituição
O Supremo Tribunal Federal é a corte mais importante do país. Sua missão é garantir que todos (inclusive Executivo e Legislativo) respeitem a Constituição.
O Que o Judiciário Pode Fazer
- Julgar processos civis e criminais
- Declarar leis inconstitucionais (anulando-as)
- Julgar autoridades com foro privilegiado
- Anular atos do Executivo que violem a Constituição
- Proteger direitos fundamentais mesmo contra a vontade da maioria
O Que o Judiciário NÃO Pode Fazer
- Criar leis (isso é do Legislativo)
- Administrar o país ou executar políticas públicas
- Substituir escolhas políticas legítimas do Executivo/Legislativo por suas próprias preferências
Como Ministros do STF São Escolhidos
- Presidente indica um nome
- Senado faz sabatina e aprova (ou rejeita) por maioria absoluta
- Mandato vitalício até os 75 anos (aposentadoria compulsória)
Freios e Contrapesos: O Jogo de Xadrez Institucional
A genialidade do sistema não está apenas na separação, mas nos mecanismos de controle mútuo. Veja como cada poder pode frear os outros:
Como o Executivo Controla o Legislativo
- Veto presidencial: Pode rejeitar leis aprovadas pelo Congresso
Como o Legislativo Controla o Executivo
- Derrubada de vetos: Maioria absoluta pode anular veto presidencial
- Impeachment: Pode julgar e remover o Presidente
- Rejeição de MPs: Pode rejeitar Medidas Provisórias
- CPIs: Pode investigar atos do governo
Como o Executivo Controla o Judiciário
- Nomeação de ministros: Presidente indica ministros do STF
- (Teoricamente) Execução de decisões judiciais depende do Executivo
Como o Legislativo Controla o Judiciário
- Aprovação de ministros: Senado aprova (ou não) indicações
- Impeachment de ministros: Pode julgar e remover ministros do STF por crime de responsabilidade
- Emendas constitucionais: Pode alterar a Constituição (limitadamente)
Como o Judiciário Controla o Executivo
- Controle de constitucionalidade: Pode anular decretos e atos administrativos
- Julgamento de crimes: Pode julgar Presidente e autoridades
Como o Judiciário Controla o Legislativo
- Controle de constitucionalidade: Pode anular leis inconstitucionais
- Proteção de direitos fundamentais: Pode impedir que maiorias violem direitos de minorias
A Crise Contemporânea: Quando o Sistema Entra em Colapso
O Desequilíbrio Atual (2013-2024)
Desde meados dos anos 2010, o sistema político brasileiro entrou em crise profunda. Os três poderes, em vez de cooperarem harmonicamente, entraram em guerra aberta.
As Causas da Crise
- Escândalos de corrupção massivos (Lava Jato, Mensalão)
- Recessão econômica brutal
- Polarização política extrema
- Descrença generalizada nas instituições
- Uso instrumental das prerrogativas constitucionais
O Ativismo Judicial: Quando o STF Vira Protagonista
Com Executivo e Legislativo paralisados ou agindo de má-fé, o Judiciário (especialmente o STF) começou a preencher o vácuo de poder.
O STF passou a decidir questões que deveriam ser do Legislativo:
- Definição de políticas públicas
- Questões eleitorais sensíveis
- Limites de ações do Executivo
Isso gerou acusações de ativismo judicial – quando o Judiciário ultrapassa seu papel e invade competências dos outros poderes.
Mas atenção: o ativismo judicial é, muitas vezes, sintoma, não causa. Ele surge quando os outros poderes se omitem ou agem inconstitucionalmente.
O Uso das Instituições Como Armas
Em vez de funcionarem como estabilizadores, os mecanismos constitucionais viraram armas na luta pelo poder:
- Impeachment usado politicamente (Dilma)
- CPIs criadas para retaliação
- Controle de constitucionalidade usado estrategicamente
- Sabatinas transformadas em espetáculo político
Orçamento Secreto: A Destruição Silenciosa da Democracia
O Que É o Orçamento Secreto?
O orçamento secreto (oficialmente “emendas de relator”) foi um esquema criado pelo Congresso a partir de 2019 que permitia que bilhões de reais fossem distribuídos sem transparência.
Parlamentares indicavam onde o dinheiro seria gasto, mas sem identificação pública. Ninguém sabia quem estava mandando dinheiro para onde.
Por Que Isso Destrói a Democracia?
Lembra que o Executivo deve executar o orçamento aprovado pelo Legislativo? Pois bem, o orçamento secreto inverte isso:
- Legislativo controla a execução do orçamento
- Sem transparência, não há accountability
- Parlamentares trocam votos por verbas secretas
- Executivo é refém do Congresso
O Executivo Que Não Executa
Quando o Executivo não tem controle real sobre o orçamento, ele para de ser Executivo. Vira refém de negociatas com parlamentares.
Se o Executivo não executa o orçamento como deveria, ele está fazendo o quê? Resposta: está sendo chantageado pelo Legislativo que deveria fiscalizá-lo, não controlá-lo.
O orçamento secreto representa tudo que está errado na política brasileira atual:
- Falta de transparência
- Uso patrimonialista do dinheiro público
- Inversão de papéis institucionais
- Corrupção institucionalizada
O STF declarou o orçamento secreto inconstitucional em 2022, mas versões modificadas continuam existindo.
Conclusão: O Sistema Funciona – Quando Respeitado
O sistema político brasileiro de três poderes é, no papel, um dos mais bem desenhados do mundo. Ele incorpora séculos de pensamento político e cria mecanismos sofisticados de controle mútuo.
O problema nunca foi o sistema – foi sempre quem o opera.
O Que Você Precisa Entender
- Separação de poderes não é “cada um no seu quadrado” – é fiscalização mútua constante
- Freios e contrapesos só funcionam se cada poder respeitar os limites das suas prerrogativas
- Ativismo judicial é geralmente sintoma de disfunção dos outros poderes
- Transparência é a única garantia contra corrupção institucional
- Políticas como orçamento secreto destroem a lógica do sistema de dentro para fora
A Ameaça Permanente
A democracia brasileira está constantemente ameaçada não por golpes militares óbvios, mas por corrosão lenta das instituições:
- Orçamentos secretos
- Sabotagem de mecanismos de controle
- Nomeações políticas para cargos técnicos
- Polarização que inviabiliza acordos institucionais
- Uso instrumental do Direito como arma política
O Que Fazer?
Entender como o sistema funciona é o primeiro passo para defendê-lo.
Quando você sabe que:
- Executivo não pode legislar sozinho
- Legislativo não pode executar o orçamento
- Judiciário não pode governar
Você consegue identificar quando políticos estão quebrando as regras que deveriam defender.
E só cidadãos informados conseguem cobrar respeito às instituições democráticas.
Deixe nos comentários: Qual aspecto do sistema político brasileiro você não entendia antes? Que outras dúvidas sobre política brasileira você tem? Compartilhe este post com quem precisa entender como funciona (ou deveria funcionar) nossa democracia.
A ignorância sobre o sistema político não é acidental – é conveniente para quem quer destruí-lo. Não seja cúmplice por omissão. Entenda, cobre, resista.
Bibliografia
- A TEORIA LOCKEANA DA SEPARAÇÃO DE PODERES – publicaDireito
- Constituição24 – Planalto
- STF, o guardião da Constituição na última instância do Judiciário
- Chefia de Estado e de Governo – Modelo Inicial
- Freios e contrapesos – Conselho Nacional do Ministério Público
- OS TRÊS PODERES – CAMARA DE CONSELHEIRO MAIRINCK
- Sobre o Congresso Nacional – Congresso Nacional
- Panorama e Estrutura do Poder Judiciário Brasileiro – Portal CNJ
- Supremo Tribunal Federal
- O (des)controle do poder judiciário no Brasil: uma análise crítica sobre o sistema de freios e contrapesos na contenção do exercício do supremo tribunal federal | Revista Videre – Portal de Periódicos UFGD
- A batalha entre os Poderes no Estado constitucional contemporâneo – Senado Federal

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